Faz um certo tempo que vinha desconfiando que havia alguma coisa errada com essa "estatística' de que apenas 1% dos adolescentes brasileiros estão envolvidos com crimes. É contra a lógica do que lemos diariamente nos jornais do Brasil inteiro.
É um disparate contra a inteligência!
Sim, eu desconfiava! Mas, porque eu ainda não havia emitido a minha opinião contrária a isso? Ora essa, porque eu não dispunha de dados confiáveis para contra-argumentar. Aliás, é um dos meus princípios: não falo do que não sei. Só escrevo quando tenho absoluta certeza, ou, no mínimo, deixo bem claro que é apenas uma opinião e que não posso afirmar o que estou dizendo!
Mas, indo ao ponto principal: um jornalista sério da Revista Veja (Leandro Narloch) acaba de derrubar o MITO, sim, isso mesmo!, o MITO de que a nossa juventude é a mais tranquila do mundo.
Como ele conseguiu isso? Simples, ele levantou informações, pesquisou em locais confiáveis! Não ficou apenas replicando informações de redes sociais ou de jornalecos sem credibilidade! O jornalista ficou intrigado com a incongruência da realidade com a estatística apresentada e foi direto na fonte (Ministério da Justiça e ONU). O que aconteceu? Ele descobriu que a informação de que existe apenas 1% de adolescentes infratores no país, simplesmente não é fidedigna. É baseado no achismo e na conveniência de certos partidos militantes! E como as redes sociais não possuem filtros anti-burros a historinha dos jovens bonzinhos e santos espalhou-se como um rastilho de pólvora!
Bom, como o próprio jornalista deixou claro em seu texto, ainda não há dados fiéis que possamos nos debruçar a respeito do índice de criminalidade envolvendo os jovens brasileiros.
Portanto, nem eu, que sou de Direita, nem você, que é de Esquerda, nem o religioso, nem o ateu, podemos nos aventurar a respeito da quantidade de menores ligados ao crime. Quer usar seu senso comum? Pois que use, é seu direito, pelo menos avise ao interlocutor que é apenas uma opinião sua, mas que não lance mão de dados que não possuem lastro científico. Isso é, como sempre digo, desonestidade intelectual!
Bom, leiam a reportagem e tirem as próprias conclusões!
(Vicente Junior)
09/04/2015 às 9:49 \
Ainda não sei qual é a minha posição sobre a redução da maioridade
penal. Concordo que há um problema de impunidade de adolescentes violentos, mas
o projeto parece mais uma manifestação do mesmo populismo penal
que motivou a lei do feminicídio. O que eu sei é que os dois lados da
discussão precisam ter mais cuidado com os números e argumentos que apresentam.
Nas últimas semanas, o Globo, a Folha de S. Paulo, o Diário de S. Paulo,
a revista Exame, o
portal Terra, a
edição impressa de Veja e quase todas as ONGs e políticos contrários à redução
disseram que menos de 1% dos homicídios no Brasil são cometidos por
adolescentes. A Folha reproduziu o dado num editorial e em pelo menos dois artigos, de Vladimir Safatle e Ricardo Melo.
Havia razão para publicar a porcentagem, pois ela parecia vir de órgãos
de peso – o Ministério da Justiça e o Unicef. Acontece que a estatística do 1%
de crimes cometidos por adolescentes simplesmente não existe. Todas as
instituições que jornais e revistas citam como fonte negam tê-la produzido.
O MITO DO 1%
Numa nota contra
a redução da maioridade, o Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crime (Unodc) reproduziu a estimativa e deu a Secretaria de Direitos
Humanos como referência. Mas a Secretaria de Direitos Humanos diz que nunca
produziu uma pesquisa com aqueles dados.
O Congresso em Foco, hospedado pelo UOL, afirma que “segundo o Ministério da Justiça, menores cometem menos de 1% dos crimes
no país”. Um punhado de deputados e sites do PT dizem a mesma coisa. Mas basta
um telefonema para descobrir que o Ministério da Justiça tampouco registra
dados de faixa etária de assassinos. “Devem ter se baseado na pesquisa do
Unicef”, me disse um assessor de imprensa do ministério.
Seria então o Unicef a fonte da estimativa? Uma reportagem do Globo de semana passada parece resolver o mistério: “Unicef estima em 1% os
homicídios cometidos por menores no Brasil”. Mas o Unicef também nega a autoria
dos dados. Fiquei dois dias insistindo com o órgão para saber como chegaram ao
valor, até a assessora de imprensa admitir que “esse número de 1% não é nosso,
é do Globo”. Na reportagem, o próprio técnico do Unicef, Mário Volpi, admite
que a informação não existe. “Hoje ninguém sabe quantos homicídios são
praticados por esse jovem de 16 ou 17 anos que é alvo da PEC.” Sabe-se lá o
motivo, o Globo preferiu ignorar a falta de dados e repetir a ladainha do 1%. O
estranho é que o Unicef não emitiu notas à imprensa desmentido a informação.
Também fui atrás da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, mas
nada: o governo paulista não produz estimativas de faixa etária de assassinos,
somente de vítimas. Governos estaduais são geralmente a fonte primária de
relatórios sobre violência publicados por ONGs e instituições federais. Se o
estado com maior número absoluto de assassinatos no Brasil não tem o número, é
difícil acreditar que ele exista. Resumindo: está
todo mundo citando uma pesquisa fantasma.
Na verdade, uma estatística parecida até existiu há mais de uma
década. Em 2004, um pesquisador da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo
lançou um estudo afirmando que menores de idade eram responsáveis por 0,97% dos
homicídios e 1,5% dos roubos. Foi assim que nasceu a lenda do 1% de crimes
cometidos por adolescentes.
Mas a pesquisa de 2004 tropeçou num erro graúdo. Ao calcular a
porcentagem, os técnicos dividiram o número de menores presos por homicídio
pelo total de homicídios no estado. Sem ligar para o fato de que em 90% dos
assassinatos a identidade dos agressores não é revelada, pois a polícia não
consegue esclarecer os crimes.
Imagine que, de cada 100 homicídios no Brasil, apenas oito são
esclarecidos, e que desses oito um foi cometido por adolescentes. Seria um
absurdo concluir que apenas um em cada cem homicídios foi praticado por
adolescentes. Um estatístico honesto diria que um em cada oito crimes
esclarecidos (ou 12,5%) foi cometido por menores de idade.
Adotando esse método, os números brasileiros se aproximariam dos de
outros países. NosEstados Unidos,
menores praticaram 7% dos homicídios de 2012. No Canadá, 11%. Na Inglaterra,
18% dos crimes violentos (homicídio, tentativa de homicídio, assalto e estupro)
vieram de pessoas entre 10 e 17 anos. Tem algo errado ou os adolescentes
brasileiros são os mais pacatos do mundo?
Sim, tem algo errado: a estatística.
O MITO DOS 36% DE VÍTIMAS
Há ainda outro malabarismo. Pesquisas sobre causas de morte de
adolescentes mostram que, dos jovens que não morreram de causas naturais, 36%
foram assassinados. Muita gente está usando essa porcentagem para uma afirmação
bem diferente: a de que os adolescentes são 36% das vítimas de homicídio no
país. Tiraram a porcentagem de uma frase e a colocaram em outra. O número real
é bem menor. Em São Paulo, jovens entre 15 e 19 anos são 9% das vítimas.
Se dividirmos em partes iguais, os mortos com 15 a 17 anos são 5,4% do total.
Até mesmo o Unicef concorda com o número mais modesto. A entidade diz que 33 mil brasileiros entre 12 e 18 anos foram assassinados entre 2006 e 2012. O total de
homicídios nesse período foi de 350 mil pessoas, segundo o Mapa da Violência.
Dá 9% de menores de idade no total de vítimas. É estranho ver o Unodc, também
da ONU, repetir o mito de que 36% das vítimas de homicídio são adolescentes. É
a ONU contradizendo a própria ONU.
A FALHA DO ARGUMENTO
Alguém pode dizer que o número de jovens homicidas continua baixo. Mesmo
se for 1% ou 10%, a redução da maioridade não resolveria muita coisa. Acontece
que os brasileiros entre 15 e 18 anos são, segundo o IBGE, 8% da
população. Afirmar que adolescentes respondem por uma pequena parte dos crimes
faz parecer que eles não são culpados pela violência do país, quando
provavelmente são tão ou um pouco mais violentos que a média dos cidadãos.
Não há aí nenhuma novidade. Quem já passou pela adolescência sabe que
essa é a época da vida em que mais nos sujeitamos a brigas, perigos e
transgressões. Não é preciso ser um grande estudioso do comportamento humano
para concluir que a juventude é a época de fazer tolice.
Além disso, a estatística compara uma faixa etária muito estreita –
jovens entre 15 e 17 anos – com uma muito ampla – qualquer adulto com mais de
18 anos. É claro que o segundo grupo vai ficar com o maior pedaço. Mas se
confrontarmos faixas etárias equivalentes, a violência é similar. Brasileiros
entre 35 e 37 anos também são responsáveis por uma pequena porcentagem de assassinatos.
Deveríamos deixar de condená-los, já que a prisão deles não resolveria o
problema de violência no Brasil? Não, claro que não.
Os opositores da redução da maioridade penal ainda têm uma boa lista de
razões para lutar contra o projeto de lei. Argumentos não faltam. O que falta é
cuidado com os números.